sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Não-você


Não há mais nada inteiro aqui.
Aqui não há mais nada.
Só me restaram como companheiras, a melancolia e a íntima solidão.
Desde que você saiu daqui e embarcou na estação da não-vida.
Aqui não mais nada restou.
Só a falta do seu falar, a falta do seu sentir e aquele seu jeito único de organizar minha vida, aquele jeito único que só você tem.
Aqui não há mais o seu doce falar, que ainda ecoa nos meus frios ouvidos.
Nesse instante, ainda lembro aquele dia triste que te vi partir, o mar da vida parece que conseguiu te devorar, não sei ao certo.
Pois, suas cartas desesperadas não chegaram até mim.
Acho essa distância de mundos, infernal.
Eu ainda procuro você nos nossos lugares.
Ainda ouço o sussurrar das paredes, o sussurro do seu nome.
Ainda sinto aquele frio que me dava quando você sentava ao meu lado, vendo os nossos clássicos prediletos.
E quando amanhece,o orvalho me traz o teu cheiro.
Ao sentar ainda tomo café vendo a sua xícara, aquela que você ganhou da sua mãe no natal passado.
Em cada lugar, disto que me restou, sinto uma forte presença, não sei se é mesmo a tua, sinto sua falta.
Me recordo de quando você me abraçava, de quando refugiava seu medo do mundo em meus braços, sinto sua falta.
Me lembro de sua alegria ao me receber em casa, depois de um exaustivo dia de trabalho.
Ouço sempre as suas canções favoritas.
Quando cai a noite, peço ao piano que toque uma triste melodia, para que me lembre de você e chore.
As lágrimas não rolam mais fáceis,como nos primeiros dias.
Elas congelaram, pois os dias aqui são frios, não tenho mais prazer no nosso lugar aquecido.
O relógio é o meu pior inimigo, não o sinto mais.
Não consigo diferenciar dias das noites.
Não sinto mais o tempo passar por mim, ainda me sinto jovem.
Todos os dias vou ao cais do porto, tentar com a força do pensamento te trazer de volta, minha ninfa.
Hoje, abri as janelas, abri os armários, sei que você virá, embora não saiba quando, este ritual eu sigo.
Os jornais estão empilhados na porta de entrada.
Meus sapatos estão sujos.
Eles permanecem lá fora, para não sujar a harmonia do lar.
O seu vestido, com cheiro de lavanda, ainda está no varal, ele refresca a casa quando o vento surrupia na tarde que se vai.
Não sinto mais.
Desaprendi o que é sentir.
Não sei mais o que é a saudade.
Não sei mais o que é não te ter.
Mas como posso eu me desolar assim?
Como posso sentir a falta de alguém que realmente nunca esteve comigo?
De alguém de que nem aqui esteve na realidade?
É que com o passar do tempo, a melancolia e a íntima solidão nos confundem os pensamentos.

Por: Rafael Gomes

Um comentário:

  1. chorei mesmo, de fato esse texto é espetacularmente liindo, como se eu tivesse escrito pra vs porque em muitos trechos me identifiquei pakas, é essa a saudade que sinto de vs, é assim que me sinto!

    "Não há mais nada inteiro aqui.
    Aqui não há mais nada."

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